Google translate

O Rito e o Ritual - Uma abordagem antropológica, histórica e maçónica

Rito_e_Ritual.jpg

“Simbolismo é a linguagem dos Mistérios. Foi pelos símbolos que os homens procuraram comunicar pensamentos que transcendem as limitações da linguagem”  

Manly Palmer Hall

A busca pelo significado do que rito e ritual representam à nossa experiência maçónica, trouxe consigo a necessidade de entender as suas origens e de como aqui chegámos. O que significam duas palavras que marcam mudanças tão significativas na nossa busca espiritual? Será que é através da nossa entrega ao conhecimento maçónico e vivenciando os rituais no plano físico, que se manifesta uma ressonância no nosso “Eu” interior e consequentemente abrimos uma ligação ao plano espiritual? 

Rito tem a sua origem etimológica do latim “ritus” que significa “ordem prescrita das cerimónias que se praticam numa religião” e ritual deriva de “ritualis” e significa “livro que contém a forma das cerimónias que se devem observar no culto e as orações que se devem dizer; conjunto de regras ou procedimentos que devem ser seguidos num acto solene ou formal.” Ou seja, os ritos e rituais são um conjunto de actos formalizados, expressivos, portadores de uma dimensão mítica e de uma tremenda carga simbólica. Presentes em todas as culturas, das comunidades mais primitivas à sociedade contemporânea, os ritos e rituais são fenómenos extremamente diversificados e comportam uma riqueza extraordinária que muito esclarece sobre a essência do ser humano e do meio cultural onde se inserem. 

Mas ao abordarmos o rito, deparamo-nos inevitavelmente com o mito. Ambos são elementos complementares e interdependentes, formando uma unidade complexa, responsável pelas características individualizantes de cada cultura. O termo grego mito significa dizer, falar, contar. Na história da Humanidade, o mito serviu como uma forma de responder a questões sobre a origem do mundo, sobre os fenómenos naturais e sobre a realidade humana, através de alegorias repletas de desejos de imortalidade. Os mitos são metáforas da potencialidade espiritual do ser humano, concebidos para harmonizar a mente e o corpo. Sincronizados com a natureza simbólica do rito, procuram a harmonia com o universo. Já o ritual é o cumprimento e a execução de um mito, consequentemente garantindo o acesso ao conhecimento das gerações passadas e que, inicialmente, era feito por transmissão oral. 

Os ritos e os rituais fazem parte do processo civilizacional da Humanidade. O aparecimento da veneração da natureza simbólica é paralela ao desenvolvimento das construções das primeiras civilizações, uma manifesta necessidade de criar uma ligação ao transcendente, de viver os símbolos e de perpetuar a união entre os valores terrenos e os celestiais. 

A assimilação da simbologia arcaica e dos mitos associados, bem como as suas ferramentas, palavras e senhas, atravessaram séculos através de sigilo criterioso e privilégios exclusivos uma elite. Uma classe distinta, onde só os mais dignos seriam “iniciados”, para que se reconhecessem e ajudassem até ao período da designada maçonaria operativa. Gradualmente, os grémios e a guildas de uma maçonaria operativa transformaram-se em maçonaria especulativa, a partir do momento em que lojas maçónicas permitiram a participação de liberais, iluministas, burgueses e mecenas, acabando por se tornar maçons aceites. Todavia, continuaram a ser conservados os rituais e instrumentos de trabalho das antigas confrarias, ainda que dotados de novo valor simbólico e espiritual.

Durante o Iluminismo, estabelecem-se regras e regulamentos de uniformização dos preceitos maçónicos, como as ‘Constituições de Anderson’ e posteriormente as ‘Landmarks’. Na 3ª Landmark percebemos que a base do ritos é definitivamente assente, tendo em conta que “as fórmulas escritas podem variar, e na verdade variam. A lenda do construtor do Templo de Salomão, porém, permanece a essência. Qualquer rito que excluir ou a altere substancialmente, deixará de ser um rito maçónico.” 

Actualmente, o rito, em termos maçónicos, é claramente um “sistema de cerimónias prescritas para cada grau” remetendo-se ao estilo das diversas obediências, com um conjunto de elementos simbólicos e com os quais se praticam cerimónias, comunicam sinais, toques e palavras de cada grau. Expostos à atmosfera iniciática conferida, é requerido de cada maçom, uma participação total e uma profunda adesão. Cada Rito contém uma série de liturgias específicas e rituais de “passagem”. É, igualmente, a base da identidade de uma obediência, compreendendo conceitos fundamentais e práticas simbólicas que organizam e regulam o trabalho nas lojas. Existem, actualmente, cerca de 150 ritos reconhecidos.

Ritual é a codificação das várias práticas, nomeadamente a que regula a conduta de uma cerimónia ou de uma sessão. O ritual é o caminho da acção e um dos principais métodos de ensino pois, cada maçom, actuando e observando-se a si mesmo, passa a ser o instrutor de um irmão. Os rituais são caracterizados por uma configuração que abrange um espaço-temporal específico, envolvendo objectos, discursos, expressões, narrações, todos dotados de um sistema de linguagem, de comportamentos específicos e de sinais emblemáticos cujo sentido se constitui um dos bens comuns de uma loja.

 Os ritos e rituais não só assumem uma função privilegiada quando se instauram e se mantêm coesos, como também são fundamentais para que uma estrutura maçónica mantenha em funcionamento os diversos níveis nos quais se instalam os vínculos entre os maçons. Em qualquer Obediência, o rito e o ritual contribuem para a formação da sua identidade e da sua imagem, cimentando os seus valores organizacionais. Há uma necessidade intrínseca de conservar um alicerce firme, capaz de resistir a mudanças fracturantes. A maçonaria é claramente visionária neste aspecto e, como exemplo, temos o uso de mitos com o propósito de mudar aquilo que deve ser mudado e conservar o que deve ser preservado.

A Maçonaria, encontra-se universal e espiritualmente unida pela sua essência tradicional, simbólica, iniciática e fraternal. E podemos acrescentar que usufruímos, com o Rito Antigo e Primitivo de Memphis Misraim, de outras características específicas que o tornam único, por ser um rito deísta, esotérico e egípcio bebendo assim das fontes mais herméticas. 

A Maçonaria é uma magnífica herança que nos transmite valores eternos e virtudes que devem tornar-se uma bússola nas nossas vidas. E é através do rito e dos rituais que vivenciamos e partilhamos essa herança. Na “Maçonaria, a aprendizagem faz-se pela apreensão do símbolo, enquanto a transmissão do conhecimento se faz pelo exemplo”.

Não é por acaso que António Arnaut afirmava que “o conteúdo do segredo não é tanto o que se vê e ouve, mas o que se sente e, por isso, não pode, verdadeiramente, exprimir-se. O segredo maçónico é incomunicável pois reside essencialmente no simbolismo dos ritos, sinais, emblemas e palavras (…). Um segredo interior, apenas ritualmente intuído, como um sentimento indizível, não pode ser exteriorizado”.

Concluindo, o rito e o ritual são o mapa necessário à jornada interior de cada um de nós. O rito, é a nossa identidade e a nossa linguagem. Cada ritual, um estágio de evolução e transformação espiritual. E se pudesse condensar apenas numa só frase o seu significado, diria que o rito é a essência necessária ao verdadeiro conhecimento e o ritual a vivência necessária para alcançar transcendência.

Morgaine Le Fay

M.'.M.'.