O título parece paradoxal numa primeira leitura, porém tentarei neste breve texto partilhar o profundo significado da morte com o leitor. Este texto não pretende ser um artigo científico, ou um ensaio literário, mas apenas uma reflexão que desejo partilhar. Caminhemos em conjunto nesta viagem.
Começo com uma experiência da minha adolescência. Há mais de duas décadas, assisti ao funeral de um colega de escola, foi a primeira vez que toquei num morto. Um morto é isso mesmo: algo que já não tem vida por definição. Naquele momento, senti que nenhuma pessoa habitava aquele corpo; este era apenas um conjunto de músculos, ossos e tecidos em fase de decomposição. O que se passou com o meu colega? Tinha desaparecido! A morte é assim sinónima de desaparecimento. Levemos essa reflexão mais longe e aos poucos iremos perceber a beleza de tudo isto.
Vamos trazer para a luz do dia que eu e você estamos intimamente condicionados pelos nossos vícios, o nosso trabalho, as nossas ideias, o nosso companheiro ou companheira, os nossos filhos, genes, ambiente, etc. Quantas vezes nos agarramos a um pensamento, a um sentimento ou a uma ideia? Tomemos apenas este exemplo: “não consigo fazer isto porque venho de famílias desfavorecidas” ou “fico sempre angustiado quando falo em público”. Coisas banais por assim dizer, comuns a todos. Mas… muito reais! Qual é a origem desses medos? Qual é a origem do próprio medo? A natureza intrínseca do medo está profundamente interligada com a morte, e a morte está intimamente ligada com o sentimento de perda. Reunindo estas questões numa só, o que temos medo de perder? A própria vida? Não creio, sabemos que estamos cá por um certo momento, do pó viemos, e ao pó regressaremos e que a vida é o que acontece entre o berço e a nossa sepultura.
Do que temos medo de perder?
A resposta pode ser arrebatadora pela sua simplicidade. Temos medo de desconstruir a imagem que fizemos de nós mesmos e dos outros. Temos medo de perder aquilo que acumulamos em vida. Temos medo de perder tudo aquilo que nos define.
Mas… o que tem a imagem das coisas a ver com as coisas? Ou que têm as coisas que acumulamos a ver com a nossa própria vida? Rigorosamente nada! Nós não somos aquilo que acumulamos, ou as ideias que fazemos de nós mesmos, somos muito mais que isso, muito mais que um relâmpago fugaz que surge e desvanece no tempo. Não são as coisas exteriores a nós que nos definem; o que somos apenas pode provir de um único lugar: no nosso mais profundo interior.
O Medo da Morte e o abraçar a Morte
Ter plena consciência da nossa mortalidade permite-nos viver realmente, no sentido profundo da palavra. Nesse mesmo instante, a nossa vida deixa de se focar nas coisas superficiais e centra-se nas coisas essenciais. A superficialidade é tudo o que podemos ter, adquirir, comprar, coleccionar, adicionar ou subtrair. A superficialidade é sempre quantitativa; o essencial é sempre qualitativo. Como dizia Antoine de Saint-Exupéry através da boca do seu Principezinho: “o essencial é invisível aos olhos”. Significa que o essencial é da ordem do ser, e não do ter. Um exemplo muito concreto: quando nos identificamos com o nosso emprego, com os nossos filhos, com a nossa sociedade, com o nosso país, (a lista é longa) se estes vierem a desaparecer, também desapareceremos com eles. Aqui não se trata da essência daquilo que somos, mas uma identificação com aquilo que é externo a nós.
O que somos então? Qual é a nossa essência?
Imaginemos por breves momentos que perdemos tudo. Quando digo tudo, é mesmo tudo: família, emprego, dinheiro, crenças, ideias que fazíamos de nós próprio e dos outros, e por aí fora. Nesse estado, ficamos completamente isolados. Entregues a nós mesmos. Perante esta situação extrema, apenas algo permanece, o alento de vida que ainda pulsa dentro de cada um de nós. É esse alento de vida, essa semente que pode desabrochar a qualquer momento, que pode fazer de nós verdadeiros Homens e verdadeiras Mulheres.
Não deve a semente de rosa desaparecer para dar lugar à rosa? Não deve a semente da nossa agonia, do nosso sofrimento, da nossa tristeza, também desaparecer para dar lugar a uma alegria totalmente nova? Uma alegria que não depende de causas externas, mas que provém de dentro de cada um. Esse estado de alegria interior é caracterizado por uma enorme serenidade, sentido e transmitido sobre aqueles que nos rodeiam. Qual rosa que desabrocha e exala o seu perfume, a alma humana, após passar pelo enorme sofrimento das experiências da vida, poderá finalmente brilhar no meio da lama confusa da existência porque encontrou esse ponto fixo onde nada se altera, a Eternidade.
Facilmente nos prendemos às coisas que estão fora de nós. O desaparecimento daquilo com o qual nos identificamos, aquilo que nos amarra ao mundo, conduz-nos à Beleza da Morte. Bela porque a morte corta as amarras da ilusão. Rompe com o fugaz e chama a nossa atenção para o essencial. Que maior Beleza existe do que aquela que não desaparece? Até a mulher ou o homem mais bonito do mundo estarão sujeitos ao envelhecimento, à doença e a decrepitude. Cronos devora tudo na sua passagem!
O Homem constrói gaiolas para os passarinhos, mas essa construção é à imagem e semelhança daquilo que faz consigo mesmo. Da mesma maneira que impedimos os passarinhos de voar criando gaiolas, também nos impedimos de sermos livres criando gaiolas dentro de nós mesmos. Criamos barreiras por medo do desconhecido, por medo da vida, acreditando que estamos bem no conforto da nossa gaiola. Mas a vida é muito mais que isso, ela existe para ser vivida. Ao ficarmos dentro da jaula do conforto das nossas ilusões privamo-nos da Maravilha da Vida.
Então, pergunta o meu caro leitor: o que vale a pena ser vivido neste mundo? Neste vale de lágrimas em que tudo o que nasce está condenado a morrer? Amigos… Amigas… procurem aquilo que não morre, aquilo que não desaparece. Alguns dizem que é o Amor. Creio que isso é inteiramente verdade! Mas não esqueçam que o Amor é uma oferenda que a Humanidade pode dar ao mundo, esse é o nosso profundo propósito: encontrar o Amor e sermos transformados por Ele, oferecê-Lo aos outros, qual fonte inesgotável de água.
Em poucas palavras, devemos deixar desvanecer tudo aquilo que nos prende para encontrarmos aquele lugar dentro de nós que pertence à Eternidade.
Philolaus | texto escrito antes de ser iniciado em 2014 e revisitado em 2021.