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A Alegoria da Caverna de Platão e a Iniciação Maçónica

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"Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela.

E oculta mão colora alguém em mim.

Pus a alma no nexo de perdê-la

E o meu princípio floresceu em Fim." 

Fernando Pessoa 

 

A presente prancha apresenta a minha reflexão sobre A ALEGORIA DA CAVERNA DE PLATÃO E A INICIAÇÃO MAÇÓNICA. São as observações de um Aprendiz, que mudo e atento, decifra pouco a pouco, devagar, cautelosamente, passo a passo, os mistérios do nosso pensamento filosófico, humanista e filantrópico. 

É no livro VII de A República que o filósofo grego Platão que viveu entre (427 a.C.-347 a.C.) narra o mito da caverna. Consiste esta narrativa na exemplificação de como podemos decifrar a escuridão da condição humana através da luz da verdade. Os moradores desta caverna platónica nasceram e viveram toda a sua vida ali, sem conhecerem o mundo exterior. Há luz e sons graças a uma pequena abertura que projeta na parede daquele espaço sombrio imagens e vozes deformadas de outros homens, que estão do lado externo da caverna. 

O diálogo em que Sócrates descreve a Glauco o mito da caverna é escrito na terceira pessoa. Não estão os dois na caverna, mas é sobre ela que falam e sobre o homem que dela se libertou. 

Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais da que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte? (Platão, 1997, p. 164). 

Com dificuldade extrema, um dos prisioneiros da caverna consegue libertar-se das correntes e sair para desvendar o mundo exterior. Descobre assim que as luzes e sons que ouviam os prisioneiros vinham de outros humanos e de tudo que havia na natureza. Não é, portanto, nada sobrenatural, como acreditavam os acorrentados. Há diversidade para além do microcosmo da caverna. 

Caso retorne e conte aos outros prisioneiros o que viu, o liberto será considerado mentiroso, porque o que descreve não existe na realidade da caverna, a única que conhecem os prisioneiros. Caso volte e nada conte, será aceito por seus pares, mas permanecerá torturado por saber a verdade e escondê-la dos outros. Caso não retorne, deixará todos os prisioneiros na escuridão da ignorância. Assim, o homem que se libertou e vivenciou a verdade está em conflito e sozinho (Freitas, 2012). A sua situação atual é ainda pior do que aquela em que estava acorrentado na caverna, com seus parceiros de escuridão. 

Achas espantoso que um homem que passa das contemplações divinas às miseráveis coisas humanas revele repugnância e pareça inteiramente ridículo, quando, ainda com a vista perturbada e não estando suficientemente acostumado às trevas circundantes, é obrigado a entrar em disputa, perante os tribunais ou em qualquer outra parte, sobre sombras de justiça ou sobre as imagens que projetam essas sombras, e a combater as interpretações que disso dão os que nunca viram a justiça em si mesma? (Platão, 1997, p. 167). 

A existência humana pode facilmente ser comparada à situação dos homens naquela caverna: somos/estamos aprisionados às nossas ideias sobre o que é a nossa realidade e a verdade das coisas. Descobrir que existem outras realidades e que a verdade pode ser diferente daquela na qual se acredita coloca-nos em doloroso conflito. “Parece que existem em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxuleante” (Freitas, 2012, p. 14). O que se sabe não é a verdade; é unicamente a perceção pessoal e fragmentada da verdade. Tudo o que se percebe (pessoas, objetos etc.) são percebidos apenas parcialmente e não na sua totalidade: 

O que os objetos são, em si mesmo, fora da maneira como a nossa sensibilidade os recebe, permanece totalmente desconhecidos para nós. Não conhecemos coisa alguma a não ser o nosso modo de perceber tais objetos – um modo que nos é peculiar e não necessariamente compartilhado por todos os seres. (Kant, 1994, p. 54). 

Tal pioneiro é o sujeito em busca de uma identidade que o distinga do grupo, ao qual foi acorrentado. 

A proposta é a de conceber um sujeito que, sendo um eu para-si, condição de formação da identidade subjetiva, é também um eu para-o-outro, condição de inserção dessa identidade no plano relacional responsável/responsivo, que lhe dá sentido. Só me torno eu em outros eus. Mas o sujeito, ainda que se defina a partir do outro, ao mesmo tempo o define, é o "outro" do outro: eis o inacabamento constitutivo do ser, tão rico de ressonâncias filosóficas, discursivas e outras. (Sobral, 2005, p. 22) 

Deste conflito entre o eu (sujeito liberto do grupo) e o Outro (pessoas, objetos e até mesmo pensamentos e sensações que povoam o universo do sujeito) podemos estabelecer uma analogia entre o mito da caverna e o processo de iniciação maçónica? 

(...)

Como nos ensinou António Arnaut (2017): Iniciação significa, literalmente, início, entrada, e é de facto o começo de uma vida nova. É através da iniciação que o candidato (profano) ingressa na Ordem, transformando-se em Irmão e inicia a aprendizagem dos segredos da Maçonaria, saindo das «trevas» para a «luz». A cerimónia obedece, tradicionalmente, a um rigoroso ritual que começa numa «câmara de reflexão», preparada para o efeito, onde o candidato é colocado perante si próprio. Segue-se um conjunto de provas destinadas a avaliar as suas qualidades morais e a sua aptidão intelectual para compreender os valores e os mistérios da Ordem. A iniciação pressupõe um juramento solene. Em termos gerais, a iniciação maçónica compreende três viagens. A primeira representa a infância, idade em que se deve receber a educação. A segunda simboliza a adolescência e o complemento da instrução. A terceira destina-se a figurar a idade adulta, ou seja, o homem como ser social, comprometido com o seu semelhante, visto nada poder fazer de válido, isoladamente (Arnaut, 2017). 

Através de um ritual pretende-se operar no iniciando uma “mudança ontológica, a passagem de um estado considerado inferior para um novo estado reputado superior” (Arnaut, 2017, p. 39). No fundo, a iniciação ritualiza o mito cosmogónico da criação do homem, fazendo participar o iniciado, através da «iluminação» interior, na plenitude do tempo primordial. Implica não apenas a mudança de estado (o renascimento) mas a partilha gradual do segredo maçónico, conforme os graus atingidos. É, por isso, uma revelação do saber que une todos os que dele compartilham e que, desse modo, permite transcender a precariedade humana e tornar compreensível o sagrado. 

Em analogia com a alegoria da Caverna de Platão, a iniciação é o ato mais relevante da vida de um maçon, é corporizada na venda colocada sobre os olhos do iniciando e que apenas é retirada, caso seja aprovado, no final da cerimónia. À escuridão em que se manteve sucede então o conhecimento da realidade envolvente — a loja ritualmente preparada e os Irmãos decorados conforme o grau. 

Em síntese, esta analogia da alegoria da caverna de Platão e a iniciação maçónica por um lado coloca-nos perante a dicotomia entre o otimismo e o pessimismo, por outro lado apela-nos que é urgente olharmos para nós próprios de frente. 

1. O otimismo reside na promessa de que, com esforço, podemos ser libertados da ignorância e da ilusão. A caverna significa cultura, a rede de crenças convencionais. No entanto, através da filosofia e uma educação adequada podemos escapar da caverna da opinião, das aparências e das crenças para entrar no reino do conhecimento e da realidade. Podemos chegar à verdade libertadora. 

2. O pessimismo reside na dificuldade e dos perigos que entranham o caminho para o exterior. Platão alerta-nos que este desafio não é para todos, mas para uns poucos capazes de suportar a carga que envolve. A maioria das pessoas não deseja esta liberdade, sugere, e reagiria atacando e incluso dando morte aos seus possíveis libertadores. 

3. Como olharmos para nós próprios de frente? Para Oliveira Martins (citado por Arnaut, 2017), a vida de um maçon deve ter «energia para combater, lucidez para compreender, força para resistir, conformidade para sofrer. Um dos caminhos necessários para o atingir passa pela iniciação maçónica - como forma de libertação, apela-nos a olhar a LUZ, para tal: 

Estimulemos a nossa curiosidade intelectual, sejamos agradáveis, úteis e positivos. Sejamos igualmente fraternos perante o bom humor como perante o sofrimento dos outros, tal como é sugerido pela nossa aclamação: 

LIBERDADE-IGUALDADE-FRATERNIDADE 

Unos Pro Omnibus, Omnes Pro Uno 

Corto

A.'.M.'.